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segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Pesquisa revela que extrato de planta nordestina ajuda no combate ao Aedes

Testes preliminares feitos com óleos extraídos da umburana e da cutia mostram que os componentes dessas árvores são capazes de eliminar 50% das larvas do Aedes nos seus criadouros.

 postado em 10/01/2016 08:00  - Correio Braziliense
 Roberta Machado

A nova arma contra o Aedes aegypti pode estar nas plantas da caatinga. Um grupo de pesquisadores do Instituto Nacional do Semiárido (Insa/MCTI) estuda o uso de duas espécies vegetais encontradas no Nordeste brasileiro para a eliminação de larvas do mosquito transmissor da dengue e dos vírus zika e chikungunya. Testes preliminares feitos com óleos extraídos da umburana e da cutia mostram que os componentes dessas árvores são capazes de eliminar 50% das larvas do Aedes nos seus criadouros, antes mesmo de ele completar seu desenvolvimento e representar uma ameaça real à saúde humana. Os especialistas planejam realizar novos experimentos para compreender melhor a ação do biopesticida sobre o inseto e encontrar formas de aumentar a eficiência do composto.

Alexandre Gomes Silva começou a trabalhar com a umburana (Commiphora leptophloeos) em 2010. O cheiro característico da folha da árvore foi a pista que levou o pesquisador a investigar as possíveis propriedades inseticidas da planta. “A gente já sabe que alguns compostos de plantas têm atividade inseticida. Esses compostos são chamados terpenoides, e eles podem ser aromáticos voláteis. Um exemplo deles está na folha da pitanga, que, quando se amassa, tem um cheiro típico”, explica Silva, que é pesquisador do Insa.
As amostras foram coletadas no Parque Nacional do Catimbau, em Pernambuco, mas a espécie também pode ser encontrada em Sergipe e no Espírito Santo. O óleo extraído das folhas foi usado para a produção de uma solução a ser colocada diretamente em possíveis criadouros do mosquito. O líquido foi testado em recipientes que continham insetos no fim do estágio larval, logo antes de o Aedes chegar à fase de pupa. Mas a transformação nunca ocorreu para metade das larvas, que morreram intoxicadas. “Esses compostos têm afinidade com substâncias gordurosas. No caso do mosquito, elas atravessam a parede celular das larvas e vão para o intestino. Lá, fazem com que as células morram”, descreve Alexandre.

Melhora
Os experimentos mostram que a solução do óleo tem uma eficiência de 50% a partir de 90 partes por milhão, o que significa que apenas uma gota é suficiente para proteger uma caixa d’água. Os estudos também concluíram que a ação de óleos essenciais da Eugenia brejoensis, conhecida com cutia, também tem o potencial inseticida. O composto extraído da árvore, que é da mesma família da pitanga, demonstrou a eficiência de 50%, com uma concentração de 180 partes por milhão.

A taxa de sucesso já é considerada suficiente para atestar a utilidade do biopesticida, mas a equipe brasileira acredita que pode obter resultados ainda melhores. O próximo passo da pesquisa é isolar os compostos do óleo vegetal e usá-los para o desenvolvimento de um inseticida mais eficiente. Ao compreender melhor as propriedades, eles também pretendem aumentar o tempo de ação da substância, que atualmente é de dois dias depois de ser adicionada à água. Uma das possibilidades é o uso de micropartículas para liberar o produto gradualmente no criadouro, estendendo a ação larvicida.

Outra preocupação dos pesquisadores é testar a reação humana aos biopesticidas. Alexandre acredita que o óleo da umburana e da cutia seja menos tóxico ao organismo do que os compostos químicos normalmente usados para eliminar insetos, já que as plantas são popularmente conhecidas pelas propriedades medicinais. No caso da cutia, os testes já mostram que a planta não é prejudicial para as células humanas. Caso ambas sejam aprovadas nessa fase, será possível considerar o uso das plantas até mesmo para a fabricação de repelentes, uma função que precisa ser testada em laboratório.

Cautela
Os autores da pesquisa ressaltam que as plantas brasileiras ainda estão sendo analisadas e que os resultados ainda não são suficientes para o uso do óleo vegetal como forma de proteção contra o Aedes aegypti. O mesmo vale para receitas caseiras de inseticidas e repelentes, que não têm eficiência reconhecida e representam um perigo para as pessoas que recorrem a esses métodos improvisados de proteção. “Não tem nada mostrando que essas receitinhas matam efetivamente (a larva do mosquito)”, diz Tamara Nunes de Lima-Camara, professora do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP).

“As pessoas repetem essas receitas naturais como se funcionassem de verdade. A citronela, por exemplo, não tem um alcance de proteção como acham que tem. No corpo, a citronela tem eficiência baixa e uma fixação de apenas 20 minutos”, exemplifica. “Se a pessoa gosta, ela deve usar a receita caseira como um método complementar ao repelente ou inseticida testado em laboratório”, aponta Lima-Camara.

Especialistas lembram que a recomendação oficial para combater o mosquito da dengue é eliminar os criadouros, esvaziando e lavando todos os recipientes que acumulem água. Pratos de vasos de plantas, por exemplo, precisam ser preenchidos com areia para evitar que o líquido sirva de criadouro para o inseto — nem mesmo água sanitária é garantia de que o mosquito não se desenvolverá.

Os larvicidas são um recurso para possíveis criadouros que não podem ser eliminados e só podem ser usados por agentes de saúde. Os profissionais são capazes de identificar os pontos que precisam desse tipo de tratamento e de escolher o produto apropriado para evitar o desenvolvimento do inseto sem comprometer a qualidade da água para o consumo. “O larvicida tem de ser eficaz, persistente e seguro”, alerta a bióloga Denise Valle, do Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus do Instituto Oswaldo Cruz.

De acordo com ela, o uso indiscriminado dos larvicidas faz com que se selecionem as populações mais resistentes do Aedes, comprometendo a eficiência dos compostos disponíveis para combater o mosquito. “São necessários muitos anos para o desenvolvimento de um inseticida, e eles se perdem rapidamente. O que se procura é usá-los em esquema de rodízio”, ressalta Valle. “De forma nenhuma, recomendamos que as pessoas comprem o larvicida e usem. Porque essa seria a melhor forma de perdermos as poucas ferramentas que temos contra o Aedes, que já são poucas.”


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