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quinta-feira, 31 de março de 2016

Caminho molecular explica como zika destrói células-tronco neurais de fetos

Segundo pesquisa dos EUA, essa vulnerabilidade durante a gestação pode explicar a ligação do vírus com os casos de microcefalia.

 postado em 31/03/2016 06:00 / atualizado em 31/03/2016 07:39
 Roberta Machado - Correio Braziliense

Cientistas dos Estados Unidos identificaram um caminho molecular que pode explicar como o vírus zika destrói as células-tronco neurais de fetos. O estudo, divulgado ontem na revista Cell Stem Cell, reforça a hipótese de que a doença pode levar a malformações cerebrais, como a microcefalia, e sugere uma linha de pesquisa para a busca de tratamentos. O trabalho mostra que a proteína AXL, usada pelo agente infeccioso como porta de entrada para as células da pele, também está presente nas estruturas imaturas do cérebro, que se tornam um alvo fácil do zika durante a gestação. Os pesquisadores acreditam que o micro-organismo seja capaz de atacar essas células durante o segundo trimestre da gravidez, atrapalhando o desenvolvimento do órgão e causando lesões.

Outros estudos haviam alertado para a vulnerabilidade da proteína AXL a flavivírus como o zika e a dengue. É por meio desse receptor que os patógenos atacam as células da pele e causam as manchas cutâneas que estão entre os sintomas mais característicos dessas doenças. Os pesquisadores decidiram, então, procurar essa mesma “fechadura” usada pelo zika nas células que dão origem ao cérebro de bebês durante a gestação. Através de sequenciamentos de RNA feitos em cérebros de ratos, de furões e de culturas de cérebros humanos in vitro, acharam uma grande concentração da proteína nas células-tronco neurais que produzem as áreas que ficam em contato com os nervos do cérebro e com o fluido cerebrospinal.

Os resultados do estudo, ressaltam os cientistas, indicam que essa região poderia ser afetada pelo vírus durante o segundo trimestre de gravidez. O zika poderia, por essa porta de entrada, matar essas células e atrapalhar a sua multiplicação, resultando em cérebros de tamanho reduzido e marcados por deformações (veja infográfico). “Ao descobrir que o receptor AXL é abundante nas células-tronco neurais do cérebro, temos um mecanismo em potencial muito provável para explicar como o zika está causando a microcefalia em recém-nascidos”, acredita Arnold Kiegstein, pesquisador do Departamento de Neurologia da Universidade da Califórnia em San Francisco e principal autor do estudo.

No entanto, Kiegstein ressalta que a hipótese ainda não foi confirmada. “Para provar isso, será necessário mostrar que o bloqueio do receptor AXL pode evitar a infecção das células cerebrais pelo zika”, explica. Os pesquisadores também não sabem explicar por que a dengue e outras doenças aptas a se conectarem à proteína AXL não causam microcefalia por esse mesmo caminho. “Outros fatores podem estar envolvidos e explicar as diferenças; ou pode ser que outros vírus tenham mais dificuldade de atravessar a placenta até o feto; ou ainda que os outros vírus causem o dano cerebral, mas possivelmente com menos frequência, portanto, essa conexão não foi notada”, cogita.

Coerência clínica
Embora não haja provas do caminho molecular usado pelo zika, os resultados do estudo são bastante coerentes com os quadros de má-formação cerebral registrados em filhos de mulheres que foram infectadas pelo vírus durante a gravidez. A proteína vulnerável foi identificada justamente nas células que estão envolvidas com as veias sanguíneas e com as áreas do cérebro que ficam em contato com o fluido cerebrospinal, justamente regiões que apresentam graves danos nas crianças afetadas pelo problema. O receptor AXL também está envolvido na formação da retina, uma área que pode ser prejudicada pelo vírus. Um estudo brasileiro feito com 29 crianças com microcefalia atribuída ao vírus revela que mais de um terço delas apresentam anormalidades oculares.

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