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quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Agronegócio 2.0: O campo descobre o e-commerce

Uma geração de produtores antenada às tendências de mercado aproveita o potencial das vendas pela internet para impulsionar os negócios e se diferenciar da concorrência


Publicação: 06/11/2014 06:00 Atualização: 05/11/2014 20:43

Filha de fazendeiro, Alessandra Sodré, de 32 anos, cresceu entre plantações de laranjas e acostumou-se a ver o pai fechando negócios com distribuidores e varejistas. No entanto, a enorme quantidade de frutas que era deixada para trás após as empresas concluírem os pedidos lhe chamava a atenção. “Os produtos não tinham qualquer problema. Como a indústria fechava as encomendas, o excedente era simplesmente descartado”, lembra. A jovem teve, então, uma ideia. Entrou em seu perfil em uma rede social e publicou a seguinte mensagem: “Vendo laranjas fresquinhas, direto da fazenda”. No dia seguinte, recebeu mais de 20 pedidos. “Foi quando percebi que poderia transformar isso em business”, conta. Assim como Alessandra, cada vez mais pequenos e médios produtores têm enxergado na internet, não só uma vitrine para expor suas marcas, mas um eficiente canal de vendas capaz de atingir diretamente o consumidor final, permitindo abrir mão de intermediários e aumentar os lucros.
Criada em 2012, a Laranjas Online é um exemplo de como uma boa ideia aliada a uma gestão profissional pode resultar em um caso de sucesso. “Quando começamos era eu mesmo que fazia as entregas. Hoje tenho dois funcionários que atuam na distribuição e uma equipe que trabalha comigo no escritório”, diz, orgulhosa a empreendedora. Por mês, a empresa, que atua na região de Sorocaba (SP) e na capital paulista, vende aproximadamente oito toneladas de frutas. Com a demanda cada vez maior, a empresária já pensa em expandir o negócio e atender o restando do estado.

Para afinar o serviço, Alessandra acompanha de perto cada passo, que vai da colheita à distribuição. “O período entre a colheita e a entrega ao cliente é de, no máximo, três dias”, garante a empreendedora, que teve adquirir uma van para cuidar exclusivamente da distribuição. Segundo ela, a possibilidade de comprar uma fruta fresca direto do campo pela web é o que a diferencia da concorrência. “A maioria das laranjas compradas em feiras e supermercados são colhidas e enviadas para a indústria, onde são separadas por tamanho, lavadas, enceradas, encaixadas e, somente após esse processo, são distribuídas. As nossas são colhidas e já ensacadas para a entrega”, explica.

A empresária também se cercou de profissionais que são cobrados para trazer as melhores práticas ao negócio. Agrônomos contratados orientam desde a plantação até a melhor forma de manejar os produtos. “Fazemos uma seleção cuidadosa. Antes de distribuirmos as frutas, os sacos são analisados para que não haja nenhuma laranja amassada ou estragada”, afirma.

Ao montar o site, preocupou-se com o design e com as possibilidade de o cliente efetuar o pagamento do pedido. “Por meio da internet conseguimos organizar as entregas com maior agilidade. Também oferecemos meios de pagamento ao cliente que nos permite agilizar as vendas”, acrescenta. “O e-commerce está cheio de pessoas querendo vender e oferecer algo novo, com uma qualidade diferenciada. No fim, isso faz toda diferença”, acredita.

Novo Perfil



De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócios (AMBR&A), Daniel Baptistela, o produtor de hoje tem um perfil muito diferente daquele homem do campo de décadas atrás. “Com o passar do tempo, os filhos vêm assumindo os negócios da família, trazendo mais qualificação e novidades. Ele sabe que para evoluir é preciso estar aberto às novas tecnologias e que essas ferramentas são fundamentais para o crescimento de uma marca”, ressalta.

Mesmo com as dificuldades de se levar conexão de internet para os rincões de um país continental como Brasil, esse novo profissional não abre mão de se atualizar e vê na web uma possibilidade para incrementar os negócios. De acordo com um levantamento feito pela AMBR&A, 40% dos produtores rurais do país declararam fazer uso regular da internet e 47% disseram estar presente nas redes sociais.

“Quando uma marca vai para a internet ela se potencializa. A venda on-line faz com que um produto chegue de forma mais consistente no consumidor final, sem ter que passar por dois, três intermediários. O e-commerce é um meio que permite que o agricultor se liberte de certas barreiras e expanda os horizontes”, opina.

A descoberta pelo novo canal de vendas pode ser explicada pelos expressivos números do setor. Somente nos seis primeiros meses deste ano, o e-commerce brasileiro ganhou 5 milhões de novos consumidores, como revela dados divulgados pela consultoria Ebit. São pessoas que adquiriram, pela primeira vez, algum tipo de produto ou serviço de forma on-line. O número é 27% superior ao alcançado no primeiro semestre de 2013. A previsão é fechar o 2014 com um total de 63 milhões de e-consumidores.

Vinhos pela web
É pela web que parte dos vinhos produzidos pela vinícola Campos de Cima, localizada na pequena cidade de Itaqui, no Rio Grande do Sul, são vendidos. Ao modernizar o negócio da família, Pedro Candelária, de 33 anos, abriu as porteiras da propriedade, que tem mais de 150 anos de tradição, para clientes de todo o país e do exterior. Atualmente, as vendas realizadas pela loja virtual representam algo em torno de 10% a 15% do faturamento total da empresa.


Devido ao aumento do volume de pedidos, novos funcionários tiveram que ser contratados para atender a alta demanda de e-mails, assim como cuidar da preparação das encomendas. Preocupado com a qualidade dos serviços, Candelária explica que busca sempre aperfeiçoar procedimentos importantes ao negócio, como a logística e o atendimento ao cliente. “Vender on-line implica uma presença forte e constante. Verificamos o que está funcionando mal e tentamos melhorar, além de buscar investimento constante para conseguir um melhor retorno e a satisfação do consumidor”, relata, defendendo que a credibilidade é o ponto chave do e-commerce. “O cliente que compra on-line sabe o que quer. É um conhecedor sobre o mundo dos vinhos. Por isso temos o cuidado de disponibilizar o máximo de informações possíveis como prazos de entrega, meios de pagamentos e diferentes tipos de frete. Tratamos os consumidores como gostamos de ser tratados”, relata.
De acordo com o professor especialista em gestão de agronegócios da Universidade de Brasília Luiz Guilherme de Oliveira, o e-consumidor exige um tratamento atencioso em todas as etapas da venda. “É uma parcela da população que está disposta a pagar um preço premium por um produto com padrões elevados de produção. No entanto, a tolerância dele para erros é mínima. Esse cliente quer ser bem tratado, quer receber o item no prazo definido, com uma boa apresentação, senão tudo pode ser colocado em xeque”, alerta.

Toda a engrenagem do funcionamento da empresa, que vai desde a parte de tecnologia da informação (TI), com servidores e sistemas que mantêm o site de vendas no ar, até a logística, deve estar muito bem azeitada para evitar perdas. “É importante ter um controle muito bem feito. Para isso existe a engenharia de produção, que possibilita controlar estoques e não ter prejuízos”, salienta.

A partir do momento em que as diferentes etapas do negócio on-line estão bem alinhadas, é possível, então, focar no portfólio de produtos, oferecendo linhas diferenciadas e com alto valor agregado para se diferenciar da concorrência. “Essa nova forma de comercialização atende às necessidades que a nova sociedade exige. O e-commerce é uma tendência que a vida moderna impõe e acredito que veio para ficar”, opina Oliveira, citando grande centros como Nova York, Paris e Toronto, onde a compra de frutas, verduras e legumes direto do produtor já é uma realidade.

Ardidas, mas lucrativas
Foi apostando neste público-alvo diferenciado que Priscila de Ávila, de 45 anos, resolveu espantar o mau-olhado e ainda faturar alto com isso. Após começar uma plantação de pimentas nacionais e ver que as vendas, mesmo em grande quantidade, não garantiam o retorno que ela desejava, a empresária resolveu focar em um nicho exigente: o dos clientes que procuram por especiarias extremamente picantes. “Comecei a reparar que, quanto mais forte o sabor, mais as pessoas gostavam”, lembra.
Foi aí que surgiu o interesse pelas pimentas estrangeiras, entre elas, as mais ardidas do mundo como a “Bhut Jolokia”, de origem indiana, e a “Trinidad Scorpion”, muito popular em Trinidad e Tobago. Após importar as sementes e estudar à fundo as iguarias, ela passou, então, a cultivar as plantas no sítio localizado no Lago Oeste, região que fica a 25 minutos de Brasília. “Trabalhamos com muito carinho. Os frutos são colhidos um a um, tudo de forma manual”, conta orgulhosa. Atualmente, Priscila cultiva 90 diferentes espécies derivadas de mais de 60 países.

A forma cuidadosa de tocar o plantio, apenas com a ajuda de um funcionário, se reflete na elaboração de uma variedade de molhos e de geleias gourmet, que recebem nomes pra lá de inusitados como “La Matadora”, “Sangue de Dragão” e “Picada de Escorpião”. A lista de clientes é extensa e vai de curiosos e chefes de cozinha até “pessoas que querem fazer brincadeiras com a sogra”, revela.

Para aumentar a visibilidade, a empresária voltou as atenções para a internet. Com a ajuda de profissionais do Sebrae, criou, há quatro anos, um site como alternativa para alavancar as vendas, que antes eram restritas a participações em feiras e ao boca-a-boca dos clientes. “É por lá que divulgamos os nossos produtos, vendemos e, a cima de tudo, mostramos que o cultivo é feito de forma completamente orgânica”, explica. Elaborar um método de pagamento seguro foi ponto de partida para a confecção da página virtual. “Assim como me preocupo em comprar as sementes em um site seguro, quero que o meu cliente sinta que as informações pessoais dele estão protegidas e que terá a encomenda entregue dentro do prazo estipulado”, salienta.
Assista ao vídeo: A Rainha das Pimentas

Com o retorno, ela conseguiu profissionalizar o negócio e investir em equipamentos de primeira linha para a cozinha. “Chego a comprar 10 mil embalagens de pimenta por ano para dar conta dos pedidos”, afirma. Feliz com a empreitada, ela admite que fez uma tacada certeira quando resolveu procurar por segmentos diferenciados. “Meu investimento inicial foi de R$ 100. Hoje não vendo minha marca por menos de R$ 1 milhão”, diz. 

O diretor-executivo da Emater-DF, Carlos Banci, explica que, antes de partir para a venda ao consumidor final, o produtor deve submeter os itens a um processo de certificação junto a um organismo credenciado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) ou Anvisa. “O agricultor tem que cumprir metas de boas práticas agrícolas para garantir a segurança do alimento que será comercializado. Essa entidade verifica o produto, embala e o rastreia por código de barras. Dessa forma, é possível saber a sua origem e a fazenda onde foi feito”, explica.

Para ele, uma forma atrativa para esses empreendedores diminuírem custos e ganharem força é a união em associações ou cooperativas. “Para o pequeno agricultor pode resultar difícil fazer a venda, a entrega, o acompanhamento do pedido, tudo sozinho. Por isso estimulamos as cooperativas. Dessa forma ele pode se concentrar naquilo que sabe fazer e deixar para essa organização a função de comercialização, seja no atacado, no varejo ou no delivery”, explica. 

Juntos para vender
Unir forças foi justamente a saída que 36 pequenos produtores de sete estados brasileiros encontraram para aumentar os lucros nas vendas de grãos e de produtos artesanais. Criada em 2010, a cooperativaCentral do Cerrado funciona como uma ponte entre os agricultores familiares e os consumidores. Para aumentar as vendas, a associação criou um site que permite oferecer os itens para todas as regiões do país.


Segundo o gerente administrativo da cooperativa, Marcos Fonseca, a ideia de investir no e-commerce surgiu a partir do crescente interesse dos clientes em adquirir os produtos fora do espaço das tradicionais feiras, que aconteciam de forma esporádica em alguns estados.

A Central do Cerrado funciona da seguinte forma: os associados, que vivem espalhados por regiões como Maranhão, Tocantins, Pará, Mato Grosso e Goiás, enviam as mercadorias produzidas para a unidade sede, em Sobradinho (DF), cidade localizada a 23km de Brasília, que estoca e dá o toque final ao material. “Tem uma tribo no Mato Grosso que faz o transporte da mercadoria de barco até um município próximo e, em seguida, coloca os produtos em caminhões para chegar até Cuiabá (MT). Só então que seguem para o DF”, relata o gerente. Mas o esforço vale a pena. Com a contribuição dos associados, a cooperativa investiu na profissionalização de diferentes etapas do processo como na manipulação das iguarias - que inclui pequi, baru, jatobá, babaçu, buriti, mel, entre outros. A embalagem dos itens, que são enviados aos clientes por meio dos Correios, também foi aprimorada para garantir uma melhor apresentação. Dependendo da época do ano, o número de pedidos pela web chega a 300 por dia.

Fonseca lembra que a preocupação inicial no momento do desenvolvimento do site foi oferecer uma forma segura de pagamento, que resguardasse tanto a cooperativa, quanto o comprador. Depois disso, o foco voltou-se para a valorização dos produtos em si. “Destacamos os itens com fotos de boa qualidade e com a história da comunidade que desenvolveu as mercadorias. Para nós é importante que o consumidor entenda de onde vem esses produtos e como eles são feitos”, esclarece.

Na opinião do gerente da unidade de agronegócios do Sebrae, Roberto Faria, as vendas on-line têm ainda mais atratividade para aqueles que trabalham com produtos agroindustrializados. “Sucos, doces e compotas, por exemplo, têm um potencial excelente para a comercialização na web. Se ele (o produtor) ainda conseguir verticalizar a produção é possível aumentar a escala e alcançar uma rentabilidade maior”, conta, sem esquecer do setor de hortifruti. “É claro que há a dificuldade por se tratar de itens perecíveis e, por isso, o “timing” (da plantação à logística) precisa ser muito bem ajustado. Porém, oferece uma oportunidade incrível”, comenta.


Para ele, o e-commerce é uma tendência que cresce a cada dia. Porém, antes de entrar de colocar todas as fichas na plataforma, o empreendedor deve ver o espaço virtual como um canal a mais de comercialização. Além disso, é fundamental que esteja atento ao funcionamento de cada passo da cadeia produtiva. “Às vezes, o produtor é um craque para produzir, mas quando chega na hora de comercializar, de fazer o controle financeiro, de divulgar o produto ele acaba travando. Então, independentemente do volume de produção, a gestão é primordial para se manter os negócios nos eixos. Seja no ambiente físico ou no virtual”, diz.

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